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Uma aventura no Porto
31 octobre 2009

O COMUM DOS MORTAIS

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 Quando as mãozinhas batentes-de-porta eram inauguradas numa nova casa, isso constituía um passo dado a encurtar a distância entre as classes. Havia lojistas que, mercê dum sacrifício duma vida inteira, davam aos filhos uma educação capaz de os fazer dar um salto que a natureza não ousaria. Outras vezes retrocediam, como quando uma viuvez impedia o processo de melhoramento de se efectuar. Nesse caso, a mãozinha batente-de-porta perdia a pintura, em geral verde ou zarcão, enferrujava-se e tornava-se desajustada ao prego do batente. A ruína começava por aí. Depois os caixilhos das janelas perdiam o betume, os azulejos iam caindo, a casa mantinha-se de pé com esforço, vendo-se de fora as cortinas sujas de caruncho e velhos tectos rachados. Os rapazes emigravam ou desciam na classe social aceitando empregos subalternos, nos Correios ou nos Casinos. Tornavam-se pobres com princípios e acabavam por fazer um desfalque resgatado às vezes por um suicídio. A miséria regressiva dava origem a tipos desesperados que se casavam por amor e, se eram enganados, disparavam um tiro na mulher ou se atiravam do paredão. Na aparência eram sensatos, amáveis, com um certo pendor chocarreiro e amigos dos filhos. Apesar de terem chave, usavam a mãozinha batente-de-porta com uma sensibilidade própria : como se recordassem o tempo escolar e a hora de chegar a casa para entrar como um furacão pelo corredor dentro, ouvindo os ralhos da mãe que lhes soava docemente no coração. Tempos airosos da bicicleta e dos patins com rodas de fibra, eles não esqueceriam mais o jantar de dois pratos, os gatos malhados no pátio contíguo a outro pátio onde crescia limoeiro.

 

Agustina Bessa-Luís, O Comum dos Mortais, Lisboa : Guimarães Editores, 1998, pp. 78-79.

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