Canalblog
Editer l'article Suivre ce blog Administration + Créer mon blog
Publicité
Uma aventura no Porto
4 novembre 2010

E agora sei que oiço as coisas devagar.


T97VQ77APLGJ68VVVA1I9XYSP34IKSSe esta antologia, ou melhor, antologia de textos críticos, precisasse de alguma justificação, serviriam dois argumentos: porque a poesia de Daniel Faria, apesar da terceira edição da sua obra completa (Poesia editada pela já extinta Quasi) permanece, ao meu ver, num campo muito restrito; e porque era preciso – e é preciso – dar alguma orientação crítica a uma obra, algo perdida nas variadíssimas conjecturas, desde o poeta religioso até ao misticismo puro e duro, não obliterando uma série de questões genético-literárias que me parecem no mínimo perturbadores. Haverá aqui muito a dizer. Posso, porém, asseverar que esta espécie de encruzilhada ou azáfama (afirmar, sustentar e inclusive apoderar-se das coisas) não prejudica em nada a obra do poeta, muito pelo contrário, só vem revelar a burrice de certos letrados, ensaístas e sobretudo leitores, convictos do seu saber, perante uma obra tão incomensurável e desestabilizadora. Chacun n’entend que soi ; ils travaillent beaucoup, ces sauvages, como diz Hölderlin. Há algo de muito importante em Daniel Faria – pode parecer muito simples mas é preciso ter isso em mente – que é o processo de escrita. Processo, este, que remete para a utilização da justaposição (essencialmente a metáfora expansiva) e da fragmentação do texto no qual o poeta se subtrai: cabe então ao leitor proceder à recombinação do sentido que poderá desvendar, recompondo o elemento ausente, como num puzzle. Esta implicação do leitor revela a vertente didáctica a que podemos associar o motivo da “explicação” próprio do seu primeiro livro Explicação das Árvores e de Outros Animais e, cuja finalidade parece ser a edificação ou seja conferir uma conduta através de uma série de actos significativos que fazem do poeta o sujeito mesmo duma iniciação. Acho que é importante reter esta lição. É óbvio que cada um é livre de pensar, de interpretar; só que não podemos dizer mais do que lá está, e não podemos desvirtualizar ou descompor uma tal obra. Devemos, sim, recompó-la, reconstrui-la. É esse o maior ensinamento que nos legou Daniel Faria.

Esta longuíssima introdução vem a propósito da publicação das Actas do Colóquio sobre Daniel Faria – E agora sei que oiço as coisas devagar – realizado no Porto em junho de 2009 e assinalando o 10º aniversário da morte do poeta. O livro que reúne as comunicações do colóquio é, mais uma vez, fruto do esmero e do trabalho duma comissão de espólio que tem levado a cabo a publicação e difusão da obra do poeta, como também a sua afirmação na cena literária mais recente, como este evento por exemplo. O contributo de alguns investigadores como Rosa Maria Martelo, Joana Matos Frias, Celina Silva, conjuntamente com a comunicação de Rui Lage (muito estimulante) são cruciais para o enquadramento crítico-literário do poeta. O trabalho da Elsa Pereira, assevera-se essencial para a recuperação da obra de juvenília cujos ecos encontramos ao longo do presente livro. Trata-se portanto dum livro que assinala uma viragem nos estudos da obra de Daniel Faria com a tentativa de recuperar e de reavaliar os seus três primeiros livros – que devem ser entendidos como a necessária porta de entrada – banidos desde então pela Vera Vouga e pelo José Ricardo Nunes, algo infelizes. Se bem que a Vera Vouga foi implacável quanto à inclusão da sua obra de juvenília na obra completa de Daniel Faria, o que não deixa de ser no mínimo paradoxal. Palavras finais para o Francisco Topa que assina um excelente prefácio no qual faz um balanço muito bem fundamentado da repercussão da obra de Daniel Faria.

Nota menos: a não participação de Luís Adriano Carlos que até hoje escreveu não só o melhor ensaio, como também o mais certeiro, sobre a poesia de Daniel Faria. O que faz dele, a meu ver, o grande especialista de Daniel Faria com apenas um texto e uma dúzia de páginas, nem tanto. Podem, no entanto, consultá-lo aqui.

Nota mais: a minha primeira comunicação: Paolo Néné, «O movimento do olhar: para uma leitura da paisagem em Explicação das Árvores e de Outros Animais e Homens que são como Lugares mal Situados», pp. 211-233.

Publicité
Commentaires
Publicité