MACHADO, MCSHADE '???
Acho que já não vou
escrever mais nenhum, porque me falta saúde. E o livro puxa muito por mim –
fumo mais, fico mais doente. Não sei o que isto significa, mas eu escrevo com o
corpo.
Dinis Machado (1930-2008)
Assírio&Alvim publicou no final do ano
2008 dois romances de Dinis Machado ou mais precisamente do seu gémeo
americanizado Dennis McShade. Estamos em 1966, Dinis Machado era então
colaborador na editora Íbis e a troco de 20 contos escreveu três policiais de uma assentada para a colecção «Rififi». O resultado
está à vista : O que diz Molero. Com
efeito, estes três romances, agora publicados, na colecção A Phala serviram de
experimentação para indagar a escrita
policial e a linguagem bairraltense
que Machado ou McShade revestirá para escrever o seu único livro. «Desde miúdo
que queria fazer qualquer coisa de diferente. [...] Mas não queria fazer um
livro qualquer, que entrasse na ordem geral das coisas». Machado/McShade autor
de um só livro ? No entanto, estes livros de juvenília não são de menosprezar
tendo em conta que o leitor que eu sou, julgava a literatura portuguesa
totalmente desprovida do género policial. Mas, o que é verdadeiramente fabuloso é que por trás de cada aventura
está todo um universo literário, que Machado sabe homenagear e tão bem
disfarçar no universo policial de McShade. De modo que Dinis Machado é chamado
– enquanto director da colecção e não propriamente como autor dos tais livros
– pela censura para justificar os três
livros do tal americano : O senhor Major
– «Há aqui umas coisas que, vossemecê
‘ta a ver, parecem-me um bocado demais.» Dinis Machado garante-lhe que não tem
que se preocupar, pois aquele até é o último dos três que compraram ao cámone.
E o outro por fim lá concordou – «Bom sendo assim, vá là.»
Vejam bem o estupor do gajo (Machado ?
McShade ?), a sua irreverência e ousadia com a qual desmistifica a autoridade.
É esse carácter ousado, à balda, bairraltense
que faz desses policiais um obra ímpar,
culta. A verdade é que Montalbán, afinal, não inventou nada.
E que tal... um Debussy para acompanhar a
leitura de Mão Direita do Diabo e, um
copinho de leite para a digestão... Nem todos sofrem de úlceras...