A Nossa Senhora Da Conceição
No
dia em que se celebra a Imaculada Conceição, não podia deixar de recordar o meu
avô, grande devoto da nossa Senhora. Quando eu era miúdo, espiava juntamente
com o meu irmão o ritual domenical do nosso avô em volta da imagem sagrada da
nossa Senhora que nós tínhamos e temos no pátio da nossa casa. Era o alumiar da
lanterna nas trevas do verão algarvio. O nosso avô ia solenemente buscar uma
caixa de madeira que levava para o pátio. Logo, as suas mãos subiam, leves, à
lanterna. Iniciava-se, então, o caminhar de uma série de viagens à cozinha. O
nosso avô levava cuidadosamente o copinho de alumínio com resquícios de azeite
da semana anterior, que retirara momentos antes da lanterna. Despejava então o
copinho do seu conteúdo e limpava-o com um trapinho de algodão que ligeiramente
acariciava o alumínio do qual brotava uma luz pura e radiante. Era tudo muito
mecânico, muito sereno como na missa durante a fracção do pão. O fio lânguido
do azeite enchia o cálice de alumínio que o nosso avô colocava na esquina da mesa
sobre um pano. Voltava-se, imparcial, para o guarda-loiças e puxava a gaveta da
direita da qual tirava uma caixinha transparente, avermelhada e de plástico.
Era a caixa dos pavios. Redondelas vermelhas de cera. O nosso avô delicadamente
pousava no líquido esverdeado o pavio que fazia ondular o azeite. Só, já
faltava a mecha. Eu apressava-me, então, para puxar os cadilhos e segurá-los
para ver o nosso avô triunfar da noite, nessa espécie de via sacra. O nosso avô
passava o limiar da porta e continuava firme a sua procissão até às arcadas do
pátio. Voltava a subir a caixa de madeira. Abria novamente a lanterna e lá
depositava o copinho de azeite, com o pavio. Era o momento de,
juntos, atingirmos a luz divina. O nosso avô tirava dos seus bolsos a
caixa dos fósforos. A luz fraca estremecia. Apagava-se. Fugidia. O nosso avô
insistia até que ela se mantivesse firme, vigorosa como a sua Fé na nossa
Senhora da Conceição. Impávido, o nosso avô sussurrava à nossa Senhora orações
de amor e rezava. Mais tarde, regressava com sua eterna caixa de madeira e
juntava-se a nós para o jantar.
Hoje,
na Igreja durante a missa não pude deixar de pensar no meu avô. Lembrei-me de
um episódio nosso, no Marco, quando comprámos, num verão, uma cabra, a Violeta.
O meu avô foi a casa buscar o dinheiro enquanto que eu escolhia a cabra. Largos
anos mais tarde, fomos comprar um leitão a do Canelas e o meu avô levou-me para
junto do curral onde estavam umas cabras. Ali, perguntou-me com a sua voz
sempre muito alegre e colorida se eu reconhecia a Violeta. Acertei de
primeira... Jamais me tinha esquecido da Violeta assim como jamais esquecerei o
meu avô. Rezei muito e senti-me bem. Aliás, a Eucaristia foi presidida pelo
Bispo que no decorrer da missa insistiu várias vezes no facto do Advento ser o
momento propício para regressar à casa de Deus e na oração. Sinto-me feliz por
ter reencontrado tal caminho e rezei, rezei tanto como o meu avô e pedi muito à
nossa Senhora. Estou cheio de esperanças e de alegria.
Sinto
muito a falta do meu avô, ainda mais agora que eu estou em Portugal. Mas, é na
ausência, na dor do ente desaparecido que devemos precisamente lembrá-lo e
invocá-lo, para mantê-lo junto de nós. Eu, caminho todos os dias para
junto do meu avô e, sinto que estou cada vez mais próximo.
Também tenho pensado muito nos meus pais
nestes últimos dias, sinto muito a falta deles. Eles são a minha a
pedra, a minha casa. Respiro-os do interior do meu ser e aconchego-me
serenamente no amor da minha Sarah...
Um Abraço Mãe, Um Abraço Pai.