SEXTA-FEIRA AFRESCALHADA :
Está um frio de rachar no Porto. Agora, sim, é que sentimos o frio do Norte. É um frio de abrir fendas pelo corpo, de secar as mãos e o tradicional tilintar do dentes. Até gaguejamos. Aliás, não se compreende nada das nossas conversas. Ontem, fomos à adega e comprámos um garrafão de aguardente e, à partir de agora utilizamos a aguardente como quem utiliza azeite ou sal para cozinhar. Ou seja : SEMPRE. Está mesmo muito frio. Tivemos que comprar um cobertor no Marquês esta manhã após termos entregado as chaves do apartamento de Costa Cabral onde nós estávamos hospedados desde setembro. Tínhamos um encontro agendado para esta manhã com o Senhor Guedes, às 10h. Tomámos o pequeno almoço no Doce Alto, e gozámos o ambiente natalício que lá pairava, porque serão escassas as oportunidades de lá voltar mas, de qualquer modo, sempre que teremos um momento tentaremos regressar à melhor pastelaria do país. É não se trata de um exagero. È realmente a melhor de todas. Além disso, a manhã foi um bocado atribulada, com muita chuva. Carregámos os passes na Trindade por que tínhamos que mudar as zonas do passe e aproveitámos a espera do autocarro para tentar farejar algumas boas ocasiões na Feira do Livro que ocupa actualmente a esplanada da Trindade. Não encontrei nada de especial. A Sara comprou alguns livros, entre os quais destacamos dois livros do Gonçalo M. Tavares, com quem estivemos em Tavira no verão passado, escassos minutos.
Foi-lhe atribuído um prémio esta semana em Itália,
galardoando a sua obra poética menos conhecida do que propriamente a sua obra
romanesca que, diga-se de passagem, é das melhores escritas contemporânea que
eu jamais li. Confesso que quando o via na esplanada da Universidade Nova em
Lisboa, meio perdido com a sua troncha às costas, com um ar fortemente estranho
parecido com um árabe, nunca pensei que ele fosse um escritor dessa qualidade.
Enfim, passei ao lado dum génio..
Ontem à noite, estivemos no seminário de
doutoramento da Faculdade de Letras do Porto como tem sido o costume às quintas.
O seminário foi de particular interesse para mim. Tratou-se de uma comunicação
do Professor Vítor Manuel de Aguiar e Silva, exímio professor e pensador já
aposentado da Faculdade de Letras de Coimbra, sobre a Alegoria Barroca. Fiquei,
de facto, impressionado pela pedagogia e recorrentes referências ao pensador e
filósofo alemão Walter Benjamim. Sabia, como é óbvio, que se tratava de uma
referência indispensável. Mas, estranhei o modo como o Professor Aguiar e Silva
falava do filósofo alemão. O seu discurso já nada tinha de científico mas algo
de impressionista numa tentativa de homenagear o Walter Benjamim. O Professor
Aguiar e Silva, provável judeu, estremecia constantemente ao evocar a figura do
filósofo alemão, também ele judeu. Foi sensacional, tomámos muitos
apontamentos. Aliás, lembrei-me durante o concertino científico trajado de sucessivos
e suaves arranhões proferidos pelo Professor de que os grandes pensadores são
de facto judeus. Foi uma temática de grande relevo tratada por um grande mestre
que percorreu o historial dessa figura de retórica chamada : Alegoria.
Continuamos com muito trabalho, com as
nossas teses. Estou a trabalhar sobre um poeta espanhol místico do século 16 :
São João da Cruz. A Sara, quanto a ela, está com duas leituras à meio, o Camilo
Castelo Branco e o Lobo Antunes. Além do frio, também podemos salientar a
derrocada dos portugueses na Taça UEFA e nomeadamente a de uns carpidos
lisboetas que foram à Grécia perder por uns 5-1. Não vos conta a minha reacção
no autocarro ontem à noite... Ao validar o meu título de transporte, perguntei
ao motorista – todos os motoristas dos autocarros, no Porto, conduzem com o
rádio ligado quando há jogos de futebol. Costumam usar um radiozinho daqueles
com pilhas, muito pequenos, e lá vão eles falajando sozinhos pelas ruas do
Porto – em quanto estava o jogo, sabendo que estavam a jogar aqueles pelintras.
Fiquei sem sopro quando o homem me disse 5-1, mesmo sem acção!!! As velhas
começaram logo a ralhar comigo para avançar. Só comigo! Avancei e, mesmo assim,
ainda perguntei ao motorista se estava a gozar comigo. Naquele momento, não se
ouvia bem o radio. Avancei e sentei-me. Não conformado com o resultado,
dirigi-me lentamente e discretamente em direcção ao motorista para tentar
captar algo. Foi quando anunciaram o fatídico resultado. Fiquei gelado pela
desonra. Ali, espetado, tal um prego no meio do autocarro. O motorista levanta a
cabeça, vê-me no espelho e desata a rir : «Então Amigo !!! Não acreditava ?
Ouviu agora ? Eu não lhe estava a mentir!! Tá vendo!! ». Mas que vergonha,
sinceramente. Nunca me tinha sentido tão envergonhado. Descobriu-se que eu era
benfiquista. Acabou-se!
Mais uma notícia para os mais corajosos : o Miccoli urina na sanita, isso mesmo!!! Faz o seu xixi, como nós, na sanita... «Deus Meu!» como costuma dizer a minha Sara...
Adeus e até breve.