APOPLEXIA DA IDEIA
PRÉSENTATION DE :
APOPLEXIA DA IDEIA
de MARIA QUINTANS et illustrations DE JOÃO CONHA
Porto. Rua Osório. C’est le Gato Vadio, espace multiculturel. Ambiance feutrée, style New Age sur fond de lectures poétiques. Après les lectures de poèmes de Álvaro de Campos et António José Forte le mois précédent, nous avons assisté, hier à la présentation d’un recueil de poèmes de Maria Quintans au Gato Vadio autour d’un sympathique verre de vin do Douro, en suivant de long le mouvement des lèvres qui s’articulaient un partout dans cette petite salle, arrière boutique d’une petite librairie autrefois boucherie, où tous devenaient tour à tour spectateur et lecteur. Ici, pas de questions tordues juste de simples lectures collectives, véritable espace de partage oral dans la pure tradition portugaise. Les proprios sont jeunes et passionnés. Ils tiennent ce petit temple de la lecture avec tendresse en fidélisant les gens. On y trouve, par ailleurs la revue Telhados de Vidro de Manuel de Freitas ainsi que toute une panoplie d’ouvrages du fantasque éditeur Vítor Silva Tavares : & Etc. Pour conclure, voici un poème de Maria Quintans qui nous a gentiment dédicacé un exemplaire de son livre.
O que há em tudo é um inútil calor frio
onde se senta a chuva lenta
das sombras da janela.
em tudo. o vulgar assobio dos escrúpulos a
rasgar sorrisos como se os
cobertores no ombros servissem para evitar
vómitos distraídos onde
a gente não vê nada. a gente não sente
nada. A gente não sonha nada.
só as palavras belas na linha da folha.
deus nunca escreveu direito por linhas
tortas e eu nunca me virei
na cama sem pensar na pele. nunca me
esqueci de lavar os dentes como
se fosse importante falar disso. as
estradas não demarcam caminhos.
é uma estratégia inútil tentar inventar
conceitos nas manobras da língua.
porque a língua mexe. mexe-se de baixo par
cima e de cima
para o centro até ao céu da boca e não é
nas palavras que se move
a língua, é na língua de outra língua. no
mistério de outra língua.
é essa a palavra. é esse o sentido. é esse
o arpão do tempo a cravar
na vida o único papel decente da palavra.
é inútil o sentido. desassossegar
palavras. rebentar o dique do incapaz.
gozar na cama dos verbos com os
substantivos podres a deixar vestígios
de sémen no ruído dos ventres impossíveis.
invoco as figuras de estilo para as
queimar na fogueira dos paradoxos
normais.
invoco os abandonos de ser qualquer coisa
mais do que uma mão ou
um dedo ou um par de memórias que não são
mais do que choros
inconsequentes e abjectos.
invoco cambalhotas imaginativas que
ninguém dá. que ninguém
quer. que ninguém tem. que ninguém diz.
invoco a palidez dos desertos a crescer no
baço das coisas vagas.
o que há em tudo é inútil coisa nenhuma a
precisar
do vulgar para comprar bananas.
a poesia é uma estátua grega que perdeu o
sexo.
a poesia não existe.
Maria Quintans, Apoplexia da Ideia,
Lisboa : Papiro Editora, 2008, p 11.