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Uma aventura no Porto
12 mai 2009

A Poesia, filha do desejo.


antonio_ramos_rosa

A poesia não nos proporciona apenas um prazer estético, ela abala o nosso ser, abre-nos ao mundo, propicia a presença das coisas, faz-nos participar no mistério do real. Por isso podemos considerá-la uma experiência vital mediante a qual as coisas mesmas nos aparecem no seu fulgor selvagem ou na sua transparência fluida, na sua densidade ou no seu mistério vivo. Mas para atingir esta relação total com as coisas, a poesia tem de romper com os discursos que a sociedade produz, tem de pôr de parte as suas máscaras, os seus estereótipos, as suas normas e conceitos, numa palavra, tudo o que substitui o real autêntico por uma realidade para nosso uso, à nossa medida, que nos tranquilize e nos anestesie, que nos proporcione os meios de agir com eficácia. O mundo aparece-nos assim reduzido, sem perspectivas cósmicas, sem os espaços do sagrado ou do mito, sem as pulsações do silêncio, sem os oásis do ócio. Deste modo a relação com o ilimitado atrofia-se e a divindade, que foi outrora a plenitude do Uno na diversidade dos deuses, reduz-se hoje a um deus que pelo temor e pela omnipotência subjuga e esmaga os homens, que por sua vez subjugam os outros homens e os reduzem a máquinas produtoras. Por isso «a verdadeira vida está ausente», como diz Rimbaud. Esta ausência a poesia assume-a sem perder de vista a perspectiva de uma vida nova e verdadeiramente essencial. Mais do que uma perspectiva, essa vida é de algum modo a presença mesma das coisas ou o seu surgir selvagem fora do âmbito dos mecanismos de defesa que nos separam do real indivisível. Mas a separação não é só reflexo da sociedade no espírito humano, ela é, essencialmente, uma estrutura a priori da nossa condição humana. Na verdade o ser-no-mundo implica duas instâncias opostas e complementares : uma é a participação imediata e contínua no mundo através dos nossos sentidos e estruturas corporais, a outra é a separação que existe entre o ser humano e o real...

António Ramos Rosa in A Parede Azul, Caminho, Lisboa : 1991.


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