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Uma aventura no Porto
26 avril 2009

Para uma leitura pós-moderna

Dá que pensar tanta indiferença

- ou são os prés que não estão em dia? –

enquanto alastra em meio urbano

a moléstia do pós-podernismo

 

F.A.P, in Desversos, «7», A Musa Irregular, p210.

 

Segundo Vattimo, a teorização do pós-moderno só pode mesmo adquirir rigor e dignidade filosófica através da junção da problemática do Nietzsche, do eterno retorno, e da estética do superar, própria do Heiddeger. Interessa, pois, reflectir o «pós» da condição pós-moderna na óptica do Nietzsche e do Heiddeger. Segundo os filósofos alemãs, o «pós» relaciona-se com uma pausa que por sua vez indica um deslizamento das lógicas de desenvolvimento da chamada era da modernidade. No entanto, julgamos de particular relevo a interrogação do Giani Vattimo : «no campo da filosofia qual seria, de facto, a importância de estabelecer os padrões duma modernidade e duma pós modernidade e, de tentar definir dum modo mais geral o lugar que ocupamos na história?». Um primeiro elemento de resposta nos é dado pela seguinte constatação: um dos conteúdos característicos da filosofia cujos herdeiros somos consiste na negação das estruturas estáveis do Ser às quais o pensamento deve recorrer para se erguer em certezas não precárias. Supomos que seja por aí onde quer chegar o nosso tão prezado Fernando Assis Pacheco quando fala nas moléstias do pós-modernismo. Ou seja numa crise da negatividade que teria desembocado num pensamento débil como sustenta Vattimo, ou ainda, numa crise das grandes narrativas como assevera Lyotard. De resto, tudo «isso» ou «isto», usando os deícticos caros ao Manuel António Pina, se prende com o facto do pós-moderno se caracterizar não só como uma novidade em relação ao moderno mas, tornando-se mais radicalmente numa espécie de dissolução da própria categoria do novo, como sendo uma experiência do fim da história. É precisamente o que Manuel António Pina nos diz em «Scienza Nuova» :

 

Dei a volta inteira, pum!

Ó idade mortal dos 20 anos,

como morrerei agora e como não?

 

Agora o que disser é para me enterrar

Como escritor é difícil encontrar mais chato:

a verdade é que digo sempre as mesmas ou outras coisas

e já não generalizo como há um ano ou há dois

 

Dirigimo-nos de novo para Sul

agora em direcção a Andorra-la-Vella

Passo o tempo lendo ou escutando música

Voltamos sempre ao princípio, estamos perdidos!

 

O poema do Pina tem o mérito de apontar para um fim e consequentemente para uma retomada rotineira já consequente dum «pré», como denuncia Fernando Assis Pacheco. Arnold Gehlen, ao falar da condição pós-moderna, diz-nos que a pós-modernidade indica a condição segunda a qual o progresso se torna rotineiro, tornando-se numa novidade do sistema, numa sociedade de consumo absoluta. Logo, essa espécie de renovação contínua seria fisiologicamente necessária para a pura e simples salvação do sistema, como salienta Guy Debord no seu filme. Numa dinâmica perversa, a novidade basicamente desfalcada de atributos revolucionários é o que permite fazer avançar as coisas numa uniformidade e regularidade atrozes cuja finalidade é uma imobilidade e uma passividade super-activas. A literatura, como é óbvio, não fica incólume a esse fenómeno. Constatação, aliás, evidenciada por Manuel António Pina, numa estrofe de «Transforma-se a coisa estrita no escritor» : «Isto está cheio de gente/falando ao mesmo tempo/ e alguma coisa está fora de isto falando de isto/ e tudo é sabido em qualquer lugar». O que estará fora de isto é a humildade. O que nos diz Pina é que todos querem falar e terem a pretensão de chegarem a poetas. No entanto, esta surabundância conduz a mecanismos de enfraquecimento da própria matriz poética. «(Chamo-lhe Literatura porque não sei o nome de isto)». O que o verso do Pina tenta desmascarar é a falsidade, a tal sombra que o universo do novo tenta apagar. Este universo, que não deixa de ser, o universo de poetas como os poetas da Averno, é nefasto para a Poesia Portuguesa. E, é nefasto porque a sua tacanhez quer se fazer passar por novidade. Vejamos esta quadra do Pina :

 

Aquilo que foi perdido

já transformou tudo e a si próprio

O sentido de tudo

confunde-se com tudo.

 

Podemos dizer, de facto, que a poesia do Pina se define por uma constatação do falhanço. Não mais é possível fazer novo e tudo o que é feito reverte a favor do belo prazer dos poetas mais inopinos, pela negativa como é óbvio. Nesta quadra, como salienta Martin Shaub, «tudo» é o pronome mais notório e designa o empírico do emperro que gasta toda a possibilidade. Sinais de nítida repugnância que não deixam de ser também evidenciados noutra belíssima voz que é a do Fernando Assis Pacheco e da sua Musa... Irregular da qual Nava diz : « a depreciação da poesia, de que de resto o epíteto «irregular» no título da recolha é um inequívoco indício, alarga-se à figura do próprio poeta...». Com efeito, o Fernando Assis Pacheco é seguramente uma das vozes mais inconformada da poesia portuguesa mais recente e das mais azedas. No entanto, estas duas vozes que se movem contra a contaminação do literário pela mercadorização, não deixam de serem, de algum modo, divergentes no campo da poeticidade. Por fim, queremos deixar o testemunho do Joaquim Manuel Magalhães sobre o Assis Pacheco em Rima Pobre, que resume bem os contornos poéticos da poesia do Assis Pacheco : «O Fernando foi dos que nunca se esqueceu e sempre perseguiu a comum realidade humana, sem prender em alambiques linguísticos ou estetas. Sempre soube que a retórica e a prosódica são uma representação de pessoas, de coisas, de sentimentos partilháveis, de afectos que nas palavras se atiram e nelas se recebem. É uma poesia muitas vezes zangada, por vezes auto-irónica, mas é uma poesia onde bate a atenção prioritária à humanidade de que somos feitos. ». Quanto ao Manuel António Pina só me resta perguntar-lhe como é que ele faz para trabalhar com tantos gatos por perto. Eu, tenho um em casa e mais dois em França e confesso que é uma das minhas grandes dores de cabeça e insegurança...

Manuel_Antonio_Pina

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