Para uma leitura pós-moderna
Dá que pensar tanta indiferença
- ou são os prés que não estão em dia? –
enquanto alastra em meio urbano
a moléstia do pós-podernismo
F.A.P, in Desversos, «7», A Musa Irregular, p210.
Segundo Vattimo, a teorização do pós-moderno só pode mesmo
adquirir rigor e dignidade filosófica através da junção da problemática do
Nietzsche, do eterno retorno, e da estética do superar, própria do Heiddeger.
Interessa, pois, reflectir o «pós» da condição pós-moderna na óptica do
Nietzsche e do Heiddeger. Segundo os filósofos alemãs, o «pós» relaciona-se com
uma pausa que por sua vez indica um deslizamento das lógicas de desenvolvimento
da chamada era da modernidade. No entanto, julgamos de particular relevo a
interrogação do Giani Vattimo : «no campo da filosofia qual seria, de facto, a
importância de estabelecer os padrões duma modernidade e duma pós modernidade
e, de tentar definir dum modo mais geral o lugar que ocupamos na história?». Um
primeiro elemento de resposta nos é dado pela seguinte constatação: um dos conteúdos
característicos da filosofia cujos herdeiros somos consiste na negação das
estruturas estáveis do Ser às quais o pensamento deve recorrer para se erguer
em certezas não precárias. Supomos que seja por aí onde quer chegar o nosso tão
prezado Fernando Assis Pacheco quando fala nas moléstias do pós-modernismo. Ou
seja numa crise da negatividade que teria desembocado num pensamento débil como
sustenta Vattimo, ou ainda, numa crise das grandes narrativas como assevera Lyotard. De resto, tudo «isso» ou «isto», usando os deícticos caros ao Manuel
António Pina, se prende com o facto do pós-moderno se caracterizar não só como
uma novidade em relação ao moderno mas, tornando-se mais radicalmente numa
espécie de dissolução da própria categoria do novo, como sendo uma experiência
do fim da história. É precisamente o que Manuel António Pina nos diz em
«Scienza Nuova» :
Dei a volta inteira, pum!
Ó idade mortal dos 20 anos,
como morrerei agora e como não?
Agora o que disser é para me enterrar
Como escritor é difícil encontrar mais chato:
a verdade é que digo sempre as mesmas ou outras coisas
e já não generalizo como há um ano ou há dois
Dirigimo-nos de novo para Sul
agora em direcção a Andorra-la-Vella
Passo o tempo lendo ou escutando música
Voltamos sempre ao princípio, estamos perdidos!
O poema do Pina tem o mérito de apontar para um fim e
consequentemente para uma retomada rotineira já consequente dum «pré», como
denuncia Fernando Assis Pacheco.
Aquilo que foi perdido
já transformou tudo e a si próprio
O sentido de tudo
confunde-se com tudo.
Podemos dizer, de facto, que a poesia do Pina se define por uma
constatação do falhanço. Não mais é possível fazer novo e tudo o que é feito
reverte a favor do belo prazer dos poetas mais inopinos, pela negativa como é
óbvio. Nesta quadra, como salienta Martin Shaub, «tudo» é o pronome mais
notório e designa o empírico do emperro que gasta toda a possibilidade. Sinais
de nítida repugnância que não deixam de ser também evidenciados noutra
belíssima voz que é a do Fernando Assis Pacheco e da sua Musa... Irregular da
qual Nava diz : « a depreciação da poesia, de que de resto o epíteto
«irregular» no título da recolha é um inequívoco indício, alarga-se à figura do
próprio poeta...». Com efeito, o Fernando Assis Pacheco é seguramente uma das
vozes mais inconformada da poesia portuguesa mais recente e das mais azedas. No
entanto, estas duas vozes que se movem contra a contaminação do literário pela
mercadorização, não deixam de serem, de algum modo, divergentes no campo da
poeticidade. Por fim, queremos deixar o testemunho do Joaquim Manuel Magalhães
sobre o Assis Pacheco