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Uma aventura no Porto
20 janvier 2009

OFÍCIO CANTANTE AINDA NÃO CHEGOU...

etch_hopper_nightshadows_lgO mundo literário anda em alerta desde o anúncio da publicação de Ofício Cantante, última súmula de Herberto Helder. Têm chovido mails com múltiplas recomendações para reservar e pré-comprar o tão inesperado Livro. Ao anunciar a publicação do Livro, sem data certa (supostamente em janeiro, se não for em fevereiro, talvez seja o mais certo), a Assírio&Alvim conseguiu gerar um estado de pânico, de autêntico furor, tendo em conta a particularidade do poeta madeirense e a escassez das tiragems... Daí, o assédio dos literatos às livrarias porque todos querem ter o seu Ofício Cantante. Todos perscrutam minuciosamente os blogs, as revistas literárias, as livrarias em busca de uma data, de uma informação, mas nem eles sabem (os livreiros, jornalistas)... Cria-se um estado de nervosismo que supera qualquer medida trágica tomada pelo governo. Bem agradece Socrates, grande leitor de poesia e grande admirador  de Como descontentar um povo em 10 Cantos, sublime obra poética dum dos seus antepassados. Mas, dizia eu que é totalmente despropositado o que a editora lisboeta está a fazer. Seria interessante recolher a opinião do poeta, tão avesso a  iniciativas comerciais... Pois é, caros leitores !! Trata-se de literatura mas não vale mais certamente que o lancamento da última Playstation. Mas, o que me irrita mesmo é a não compreensão dos tais literatos, com sucessivas crónicas, artigos, entrevistas em teimarem com o fenómeno comercial dos jogos vídeos. Que fique bem claro, não tenho nada haver com jogos vídeos mas, causa-me algum descontentamento os processos desta campanha. Suponho que vão abrir as livrarias à meia noite, com fogos de artíficios e músicas, muita música, marteladas mesmo...
Podem, no entanto, ler este poema do Herberto para satisfazer a vossa ansiedade :

VII
A manhã começa a bater no meu poema.
As manhãs, os martelos velozes, as grandes flores
líricas.
Muita coisa começa a bater contra os muros do meu poema.
Escuto um pouco a medo o ruído das gárgulas
o rodopío das rosáceas do meu
poema batido pela revelação das coisas.
Os finos ramos da cabeça cantam mexidos
pelo sangue.
Talvez eu enlouqueça à beira desta treva
rapidamente transfigurada.
Batem nas portas das palavras,
sobem as escadas desta intimidade.
É como casa, é como os pés e as mãos das pessoas invasoras e quentes.

Estou deitado no meu poema. Estou universalmente só,
deitado de costas, com o nariz que aspira,
a boca que emudece,
o sexo negro no seu quieto pensamento.
Batem, sobem, abrem, fecham,
gritam à volta da minha carne que é a complicada carne
do poema.

Uma inspiração fende lírios na minha testa,
fende-os ao meio
como os raios fendem as direitas taças de pedra.
Eu sorrio e levo pela mão essa criança poderosa,
Uma visita do sangue cheio de luzes interiores.
Acompanho, como tocando uma espécie de paisagem
levitante.
as palavras pessoas caudas luminosas ascéticas aldeias.

É a madrugada e a noite que rolam sobre os telhados
do poema. É Deus que rola e a morte
e a vida violenta. E o meu coração é um castiçal
à beira
do povo que até mim separa os espinhos das formas
e traz a sua pureza aguda e legítima.
- Trazem liras nas mãos, trazem nas mãos brutais
pequenos cravos de ouro ou peixes delicados
de música fria.

- Eu enlouqueço com a doçura dos meses vagarosos.

O poema dói-me, faz-me.
O povo traz coisas para a sua casa
do meu poema,
Eu acordo e grito, bato com os martelos
dos dias da minha morte
a matéria secreta de que é feito o poema.

- A manhã começa a colocar o poema na parte
mais límpida da vida. E o povo canta-o
enquanto crescem os campos levantados
ao cume das seivas.
A manhã começa a dispersar o poema na luz incontida
do mundo.

Herberto Helder, A Colher na Boca (1961), Poesia Toda, Lisboa, Assírio&Alvim, 1996, pp 39-40.

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